23 junho, 2012

“Ainda não tendes fé?”


No fim daquele dia, como em tantos outros dias, levantou-se “uma grande tormenta” no mar das Galileia. Jesus dormia e continuou a dormir como se nada de extraordinário e ameaçador estivesse a acontecer à sua volta. Os apóstolos, sobretudo aqueles que tinham sido pescadores naquele mar, conheciam bem o fenómeno e o perigo que representava para eles. Ficaram assustados, receando o pior. Ao mesmo tempo, não compreendem, incomoda-os e intriga-os a atitude de Jesus. Segundo eles, Jesus tem poder e deveria intervir para os salvar. Uma vez que Jesus não toma a iniciativa e a vida deles está mesmo em jogo, acordam-no e censuram-no. Afinal, que Mestre é Ele e que poder é o seu, se não intervém numa situação como esta, em favor dos seus próprios discípulos? Durante aquele dia, Jesus, daquela mesma barca, ensinou a multidão, anunciando a boa Nova do reino de Deus, através de inúmeras parábolas. O Reino é Deus a agir, de um modo mistérios mas eficaz, na vida e no mundo dos homens; é Deus a libertar o homem dos seus medos e de tudo o que o oprime. A tempestade no mar, para além da ameaça que constitui em si mesma, simboliza todas as adversidades que atingem o homem e põem em risco a sua vida. Os judeus acreditavam que só Deus pode dominar as tempestades e devolver ao homem a segurança e tranquilidade. Jesus dorme! A tormenta não o perturba nem o afecta. Não tem qualquer poder sobre Ele. Pelo contrário, Jesus é-lhe superior e tem a capacidade de a dominar. Quando acorda, Jesus confirma essa superioridade, impondo silêncio ao vento e sendo, de imediato, obedecido por ele. Esta acção de Jesus, a vitória sobre a tempestade, coloca-O no âmbito do poder de Deus. Mostra que Deus, através d’Ele, já está a agir e o Reino já está presente entre os homens. E assim corrobora a verdade das parábolas que tinha contado á multidão. “Ainda não tendes fé?” Os apóstolos tiveram medo e pensaram mal de Jesus porque ainda não acreditavam. Precisamente porque não tinham fé, eles não confiaram em Jesus e, consequentemente, ficaram muito assustados. Eles andavam com Jesus, tinham testemunhado algumas curas, tinham escutado as belas parábolas sobre o Reino, mas ainda não tinham descoberto quem era Aquele “que até o vento e o mar Lhe obedecem”. A insegurança e a agitação que eles sentem não resultam tanto da força do vento e das ondas que açoitam a barca nem, muito menos, do facto de Jesus estar a dormir. A verdadeira causa não está fora, mas dentro deles: a falta de fé. “Ainda não tendes fé?” Aquela barca, onde viaja Cristo e os apóstolos, foi vista como uma imagem da Igreja. Por sua vez, a tempestade simboliza a oposição e perseguições que a Igreja terá de enfrentar e sofrer ao longo da sua história. E como actualizar, isto é, aplicar ao hoje da Igreja a interpelação que Jesus dirige aos apóstolos? Jesus parece querer deixar claro que o que a Igreja deve temer, aquilo que a pode fazer abalar ou mesmo afundar não são tanto os ataques que surgem de fora, mas a falta de fé e de uma autêntica vida espiritual por parte dos seus membros, sobretudo dos seus pastores e daqueles que, embora não sendo propriamente pastores, têm muito poder nas estruturas da Igreja. Estes até podem ser muito ortodoxos e “certinhos”, aceitando, pelo menos em público, toda a doutrina, leis e tradições da Igreja. E, nessa medida, até podem ser muito apreciados e conseguirem belas carreiras. Porém, nunca se deixaram conquistar por Cristo nem abraçaram a radicalidade do Evangelho. Aqui está a principal causa da crise que vive a Igreja. Aqui está a origem dos grandes escândalos que a têm ensombrado e da luta pelo poder que existe no seu seio. A Igreja, sobretudo nos seus maiores responsáveis, mostra-se perita em detectar e apresentar soluções para todos os problemas e questões que afectam a sociedade. É urgente que ela mostre a mesma sabedoria em assumir os seus males internos e em apresentar uma solução adequada para os mesmos, sempre na fidelidade a Cristo e ao seu Evangelho. Jesus continua na barca da Igreja. E, com toda a certeza, não se encontra a dormir. A Igreja só perderá o medo e o seu complexo de vítima, quando nós, aqueles que a formamos, vivermos em plena comunhão com Jesus e confiarmos totalmente n’Ele.

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